Saturday, February 17, 2007

Feito!

Nem posso acreditar que este malfadado doutoramento está feito! É incrível: stressa-se muito nos dias anteriores, quase não se stressa nada na véspera, volta-se a stressar no próprio dia, anda-se muito tenso, tentando manter a compostura, tentando não esquecer nada de importante em casa na altura de ir para a Reitoria, tentando conduzir com calma para lá (quase como quem só pensa em chegar lá vivo, que depois podemos morrer à vontade), chega-se muuuuito antes da hora, testa-se a aparelhagem toda (muitas vezes tudo deve funcionar bem à primeira, penso eu...) e espera-se, e as pessoas vão chegando, e espera-se ainda, e chegam mais, e espera-se ainda mais um pouco. É o Antes.

Lá dentro, gela-se perante o júri de becas pretas, fica-se sentado como se se tivesse um taco de bilhar na coluna e como se a cadeira estivesse a ferver, depois salta-se de lá, faz-se em modo automático a apresentação tão ensaiada, depois há a trapalhada com as luzes, o projector, o tampo do portátil... Começa a discussão - este(a) deve estar a querer lixar-me - mas onde foi ele(a) buscar essa ideia? - e não se cala! - é pa responder ou quê? - ah, pera aí, que eu já te f*** - e irritamo-nos, e respondemos, e discutimos, e de repente começa a parecer que afinal sabemos alguma coisa, e depois o primeiro acaba, e vêm outros, e discutimos com eles, e finalmente as palavras finais, e o júri vai reunir, e somos expulsos da sala. Lá fora, os colegas, os amigos, a família - a mãe saiu três vezes da sala, à terceira foi de vez, só agora sabemos disso -, o fotógrafo omnipresente, todos a falarem connosco, nós à rasca, qeu ainda não acabou, à espera. Chamam-nos. Lá vamos. Ouvimos o presidente: o júri... deliberou... aprovar... É o Durante.

E cumprimentos, felicitações, desejos do maior sucesso, mais fotos, e saímos com o presidente que repete aquilo aos que esperam, e palmas, e fotos, e prendas, e falamos com toda a gente, e... e começou assim o nosso Depois, o nosso Para Sempre. E já não se sabe exactamente o que aconteceu Durante - talvez um sonho, talvez um lapso no tempo.

Está feito.

Sunday, February 11, 2007

Sim

E pronto, ganhámos. Por uma margem estreita, com muita abstenção, mas ganhámos. Tanta abstenção, no entanto, continua a ser uma grande vergonha nacional. Seja por falta de opinião, por medo de assumir responsabilidades, seja por não se achar o referendo importante, seja por preguiça - qualquer motivo é bastante mau. Em Bornes de Aguiar, distrito de Vila Real, houve apelo e grande adesão à abstenção - porquê? - em protesto por não terem GNR!

Parabéns aos que acreditaram que as coisas podiam melhorar; cumprimentos a todos os que votaram; espero que da próxima vez mais pessoas tenham opinião e a achem suficientemente importante. Poder ao povo, desde que o povo seja capaz de assumir o poder.

Friday, February 09, 2007

Hoje

...a «eumesma» tornou-se Doutora «eumesma»! Parabéns!!

Tuesday, February 06, 2007

Dedicado ao g

«Sabe Deus – pensava eu –, se conseguirei alguma vez encontrar trabalho!» Tinham sido tantas as recusas, as meias-promessas, os «nãos» decididos, as esperanças nutridas e enganadas, tantas novas tentativas que sempre davam em nada que já tinha perdido todo o ânimo. Finalmente, tinha tentado ir para tesoureiro, mas chegara tarde; além disso, nunca poderia dar a caução de cinquenta coroas. Também me tinha voluntariado para o corpo de bombeiros. Éramos uns cinquenta lá perfilados, cada um a fazer peito para parecer um fortalhaço e um grande valentão. Recrutador andava no meio de nós, examinando os candidatos, apalpando os músculos, interrogando, e, ao passar por mim, só abanou a cabeça e disse que pessoas com óculos não serviam para o trabalho. Voltei a ir lá já sem os óculos e estava de testa franzida, tentando que o meu olhar parecesse ter a acuidade de uma faca, mas ele passou de novo por mim e apenas sorriu, porque me tinha reconhecido. Para cúmulo de todos os meus males, a minha roupa estava já tão gasta que os empregadores não me viam como homem decente.
Como era lenta e fatal a minha queda! Acabei por não ter posses nenhumas, nem mesmo um pente ou um livro que me consolasse nos momentos difíceis. No Verão ia todos os dias ao cemitério ou ao parque do castelo, sentava-me lá e escrevia artigos para jornais, coluna atrás de coluna, e não havia coisa que aqueles artigos não tivessem, quantas maravilhosas invenções, caprichos, devaneios da minha fantasia irrequieta! Em desespero, pegava nos temas mais abstractos, redigia os artigos durante muitas horas dolorosas, e ninguém queria publicá-los. Tendo terminado um, começava logo a escrever outro e raramente desanimava com a rejeição dos redactores. Tentava convencer-me de que um dia ia ter sorte. E realmente, por vezes, quando a fortuna me sorria e eu conseguia compor algo de jeito, pagavam-me cinco coroas pelo trabalho de metade de um dia.
Afastei-me de novo da janela, fui ao lavatório e molhei os joelhos das minhas calças coçadas para que parecessem pretos e ficassem com ar mais novo. Depois, como era hábito, meti no bolso o papel e o lápis e saí do quarto. Desci as escadas em bicos de pés para não chamar a atenção da senhoria; o prazo de pagamento da renda tinha acabado vários dias antes, e eu não tinha com que pagar.
Soaram as nove. O estertor das carruagens e as vozes da gente enchiam o ar – era o coro matinal das cem bocas, acompanhado pelos passos dos peões e pelos estalidos dos chicotes dos cocheiros. Aquele movimento ruidoso animou-me de imediato, e comecei a sentir-me mais seguro. O que menos tencionava era passear assim no ar fresco da manhã. De que serviria o ar aos meus pulmões? Sentia-me invencível como um colosso, podia travar uma carruagem com o ombro. Uma sensação incrível, maravilhosa, uma luminosa satisfação invadiu-me. Observava os transeuntes, apanhava no ar os olhares que alguém me lançava das carruagens que passavam a voar, reparava nos mínimos pormenores sem deixar escapar nenhuma infimidade casual que se me deparava para logo desaparecer.
Que lindo dia, faltava só poder comer alguma coisa!

Excerto de Fome de Knut Hamsun,
tradução minha a partir da tradução russa

Saturday, February 03, 2007

No outro post

eu tinha citado uma coisa que ouvi numa série televisiva, mas desconfiava ter origem shakespeariana. Acertei. Era uma paráfrase, mas o essencial está lá, embora com o sentido oposto.

SONNET 116

Let me not to the marriage of true minds
Admit impediments. Love is not love
Which alters when it alteration finds,
Or bends with the remover to remove:

O no! it is an ever-fixed mark
That looks on tempests and is never shaken;
It is the star to every wandering bark,
Whose worth's unknown, although his height be taken.

Love's not Time's fool, though rosy lips and cheeks
Within his bending sickle's compass come:
Love alters not with his brief hours and weeks,

But bears it out even to the edge of doom.
If this be error and upon me proved,
I never writ, nor no man ever loved.

William Shakespeare